quinta-feira, 8 de julho de 2010

Encómios & Menoscabos

Há alguns anos, alguém me disse inúmeras vezes que eu não devia apontar o que outras pessoas faziam de errado porque assim estaria a melhorá-las e com isso, estaria a tornar as pessoas especiais menos especiais. Tem uma certa lógica, mas dado o que tenho observado ao longo da minha existência, sinceramente, acho que não se corre esse risco, DE TODO.

Há uma coisa que os ditos sujeitos “menos especiais” (querendo com isto dizer comuns) fazem, que me irrita de sobremaneira e é difícil passar um dia sem ter que apreciar algo deste género. Refiro-me a elogios.

Passo a explicar: segundo o dicionário, elogio é o enaltecimento de uma qualidade ou virtude de algo ou de alguém. Muito bem. Enaltecimento de qualidades parece-me muitíssimo bem, acho que é algo que qualquer criatura apreciaria. A minha dúvida é a seguinte: é necessário o elogio ser verdadeiro bem como ser algo mais restrito ou basta ser um elogio? É uma pergunta bastante persistente, segundo o meu (limitado) ponto de vista.

Um meio de pesquisa muito interessante para este tema é o popular “Facebook”. Ora bem, quem der alguma atenção a este tipo de coisa, há-de reparar, certamente, na quantidade de vezes que aparecem, por dia, elogios ao próximo, quer sejam de fotos ou frases. Elogios dirigidos a um sujeito específico.

Tomemos como exemplo uma personagem fictícia chamada Joana. Joana tem 100 amigos. Com alguma pachorra de pesquisa, notamos que os 100 amigos de Joana não são clones, nem sequer aparentados. 100 indivíduos com fisionomias completamente diferentes e (com muita esperança) personalidades muito variadas. Pois bem: Joana comenta fotos e escreve dedicatórias a mais de metade dos seus amigos facebookianos. Joana diz a João que é lindo de morrer. Uns cliques depois, lêmos que Joana disse a André que é lindo de morrer. Podia continuar mas só iam variar os próximos 50 nomes (ou nem isso). Hummm….ok. Eu sei que não sou exemplo porque ainda estou para descobrir alguém com um gosto mais restritivo do que o meu mas, se o meu é restritivo demais, então achar 50 ou 100 pessoas que nada têm em comum fisicamente LINDAS DE MORRER é não ter gosto sequer (deve ser uma vida bastante mais fácil, diga-se de passagem). Não há a mínima diferenciação, tudo é lindo, logo, não há gosto, já que gosto implica escolha, padrões. Agora, vocês dizem-me: toda a gente tem algo de belo, etc, etc. Não concordo, mas não vou entrar por aí. Uns até podem ter uns olhos belíssimos, outros um cabelo fenomenal, uns lábios esculpidos e por aí adiante, tudo bem. Agora, dizer que alguém é lindo, no meu dicionário, vai um pouco mais além, mas como sempre, isso sou Eu (a esquisita). Se quiserem pegar na parte interior, pode ser analisada, mas os comentários a que me refiro não se referem a belíssimas personalidades. Sim, a beleza interior consegue fazer muito pela exterior mas meus caros, sejamos realistas, nem essa faz milagres. É possível amar o feio, este tornar-se mais menos feio por isso, mas há que ser honesto e admitir os factos (não sou insensível, sou realista).

Entregas de prémios e entrevistas, por exemplo. É rara a entrevista em que não comecem por elogiar a beleza bem como a indumentárias dos exemplares femininos, sejam eles quem forem. Já vi elogios a pessoas que já nem feições têm devido às plásticas e a roupas que nem recebendo dinheiro para tal, alguém vestiria! É absolutamente ridículo, um espectáculo de acéfalos e hipócritas, ou pior, dos dois num só. Elogios fazem parte da educação, é educado elogiar alguém sim, é, agora, o problema é o elogio que se faz!! Não se vai dizer a uma pessoa que sofreu queimaduras severas na cabeça e perdeu 90% do couro cabeludo que o seu cabelo está lindíssimo esta noite!! Deixa de ser educação e passa a ofensa. Sim, a maioria das pessoas pode ficar feliz na mesma, já que a maior parte não consegue distinguir elogios, ou tem uma auto-estima tão pobre que nada mais interessa, mas qualquer pessoa com alguma auto-estima e provida de cérebro consegue aperceber-se se é um elogio, se é uma ofensa (mal) disfarçada ou se é uma frase que já é automática. Para mim, é absolutamente irritante e deprimente assistir a este tipo de coisas. Há que ser realista e se não houver nada bom a dizer, mais vale ficar calado ou dirigir o tema para outros caminhos.

Uma das coisas que (pelo menos para mim) faz toda a diferença é “quem” profere o elogio. Ainda no outro dia fiz um elogio a uma amiga minha. A reacção não foi “Ah, obrigada” mas sim uma cara de espanto e “Bem, isso é que é um elogio, vindo de ti tem muito valor”. Porquê? Porque sabia que se eu o estava a dizer era porque realmente achava o que tinha dito. Quando se diz a alguém (por exemplo) que é lindo não interessa se essa pessoa é linda ou não, segundo os padrões mais comuns, mas sim se nós a achamos linda ou não, segundo os nossos padrões específicos e isso sim, é que tem realmente valor. O ponto chave é a honestidade. O maior problema é que o leque de pessoas de quem se pode acreditar realmente num elogio, é muitíssimo reduzido, uma vez que a maioria dos seres usam os mesmos elogios para centenas de pessoas, perdendo o elogio, todo o seu valor. Se alguém nos disser que somos lindas, que somos umas pessoas fantásticas, ficamos felicíssimas, quem não gosta? O efeito não dura, uma vez que quase invariavelmente, o mesmo elogio é dirigido a mais umas dezenas de pessoas e assim, deixamos de ser especiais e passamos a ser apenas parte de um grupo tão imenso como a estupidez e hipocrisia de quem proferiu o elogio. Geralmente, nesse grupo há sempre alguém que achamos horrível, o que ainda consegue tornar a situação mais deprimente.

Um exemplo que uso muito é o de quando alguém está inseguro relativamente a uma peça de roupa ou vem bastante feliz exibi-la e nos pede a opinião. A frase cliché é independente da verdade, quase toda a gente diz que fica muito bem ou que está linda (como todas as outras pessoas que conhece). Haverá quem esteja e quem mereça o elogio e haverá quem ache realmente que a pessoa está linda. Lá porque não se achou a roupa bonita, que ficasse bem, ou que fosse a escolha mais acertada, não devemos magoar a pessoa (tacto é das coisas mais raras e por isso das que mais admiro), o que eu acho é que se temos essa preocupação com a pessoa também a devemos ter quanto a enganá-la e mentir, é enganar. Se a opinião é menos boa, há maneiras de o dizer e há sempre forma de puxar a conversa para algum pormenor ou forma de dissipar a o assunto. Para quem não tem dom suficiente para tal, sinceramente, acho melhor dizer que, realmente acha que a roupa não fica tão bem, do que dizer que fica e a pessoa fazer a figura que muitas pessoas fazem por essas calçadas fora, convencidíssimas que estão um estouro (porque alguém muito querido lhes disse que o estavam). Também há quem diga que a pessoa está perfeita, exactamente com o intuito de que a pessoa apareça no seu pior, mas isso, já é outro tema.

Elogios podem ainda ser um meio rápido e eficaz para se atingir um determinado fim mas assim voltamos sempre a falar em acefalia (característica sempre presente) e torna-se repetitivo.

Talvez seja eu, que seja desconfiada, esquisita e dura demais, quiçá. Sou a favor da liberdade e cada um sabe de si, portanto, quem quiser construir uma auto-estima baseada em ficção, esteja à vontade, apenas perdoem a minha falta de contribuição.

“A compliment is usually accompanied with a bow, as if to beg pardon for paying it.” ~A.W. Hare & J.C. Hare