segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Rei Vai Nú


Ora bem, sinónimos de “parvo”. Humm...idiota? Imbecil? Otário? Tanso? Candidato a bolsas de investigação? Confere!
Pois bem, não é preciso ter sido estudante académico para perceber o que exporei em seguida, uma vez que fora do mundo académico as coisas funcionam da mesmíssima forma (quem não se lembra do recente anúncio do centro de emprego que só admitiria a Vera?), é problema global, mas é o descaramento explícito, a falta de preocupação em disfarçar minimamente, que me leva a dar relevo ao mundo das “bolsas de investigação”. Eis onde reside a verdadeira comédia.
Recebi mais uma resposta de umas das dezenas de bolsas de investigação a que me candidato mensalmente. Com um prazo de resposta máximo de 30 dias,  esta resposta já vinha com vários dias de atraso. A falta de cumprimento de prazo poderia já sugerir falta de profissionalismo, mas passemos esse detalhe à frente.
Abri o dito email, lá li a típica frase condescendente “Vimos pela presente agradecer o seu interesse em colaborar com a nossa instituição, contudo, lamentamos informar que não foi seleccionado(a)……” pela centésima vez. Poderia ter parado por aí, já que a resposta estava dada, mas curiosa que sou, resolvi dar uma espreitadela à tabela de classificações e ver quem teria sido o afortunado. Na maioria dos casos, a bolsa é atribuída a uma pessoa que, obviamente, por mero acaso, ou joga futebol com um dos jurados, ou faz parte da "casa", ou por vezes, até partilha DNA com um dos membros do júri, etc. Há coincidências fantásticas nesta vida, mas deixemo-nos de balelas, falando sem rodeios, 99.9% das bolsas já estão atribuídas à partida, sendo a publicação do anúncio uma mera formalidade. Fazem-nos gastar paletes de papel, pagar correio e gastar tinta, absolutamente em vão. Há até mesmo casos em que é pedido a possíveis concorrentes  que não se concorra a determinada bolsa de modo a que o processo seja mais rápido para a pessoa escolhida, a quem a bolsa, ainda não publicada, será concedida.
É o mundo em que vivemos. É um mundo de cunhas e assim permanecerá. Agora, o que me repele, é, tal como disse no início, a já total falta de vergonha e encobrimento. Se querem atribuir a bolsa a determinada pessoa, escolhendo tudo o que tem no currículo para pôr nos requisitos do anúncio, chegando mesmo por vezes a inventar requisitos absolutamente caricatos, do género de pedirem, por exemplo, experiência em amostragens em barcos de 14,5356 metros, baptizados como "Tretas do Atlântico", se fôr esse o requisito que distinguirá o indivíduo pretendido num oceano de pessoas com o mesmíssimo currículo, ou muitas vezes, com um currículo muito mais vasto e rico, pelo menos que o façam o mais discretamente possível.
Continuei então, a analisar a tabela de resultados. Temos 4 colunas. 3 delas, relativas a experiência em determinadas funções e uma quarta, relativa a fluência de inglês, falado e escrito. Comecei a ver as notas (escala de 0 a 20). Eis que chegamos ao busílis da questão.
Como é que se avalia o nível de inglês de uma pessoa, falado e escrito? Talvez seja eu que tenho uma imaginação limitada mas….só me ocorrem testes. Testes orais e escritos, como os do British Council, por exemplo. Isso, ou então, numa entrevista. Não? Alguém tem mais alguma ideia? A verdade é que deve haver outra forma porque não entreguei nenhum teste, e a mim, ninguém me entrevistou. No entanto, como que por milagre, conseguiram avaliar o meu nível de inglês. Na minha carta de motivação e curriculum vitae, está bem explícito que o meu nível de inglês falado e escrito é excelente, cheguei a utilizar a palavra fluente. Desde que me lembro de mim como gente que uso o inglês tanto como o português, sendo o inglês língua oficial do país em que nasci. Nunca tive menos de Muito Bom a inglês e 20 era a nota média no secundário. Agora a melhor parte. Querem saber qual a nota que me foi atribuída nesta avaliação paranormal?
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(Wait for it)
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Um mísero e singelo…3.
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 Sim, leram bem, não falta nenhum número, é mesmo um 3. Como se o 3, por si, não fosse suficientemente cómico, reparei que só duas pessoas, em dezenas, tinham tido pior nota do que eu. Um deles teve 0, pelo que deduzo que seja mudo e desprovido de braços. A nota máxima atribuída foi um 16 (tem nome tuga mas devia ser bifa, provavelmente). Já não é a primeira vez que uma coisa destas me acontece, tendo já ficado abaixo de outros candidatos (cujo nível de inglês conhecia muitíssimo bem e era muitíssimo mais baixo do que o meu), exacta e unicamente devido à nota do nível de inglês, falado e escrito.
Portanto, meus caros, achei que seria egoísta de minha parte, especialmente em tempos de crise (para alguns), guardar algo tão hilariante só para mim e se restava alguma dúvida sobre fenómenos paranormais, as atribuições de classificações em bolsas de investigação vêm demover qualquer apreensão.
Poderia pensar que ao escrever isto estaria a eliminar para sempre qualquer hipótese de algum dia me ser atribuída alguma bolsa, mas perder o que quer que seja, implica que alguma vez tenhamos tido a oportunidade de a ter não é? Portanto, tranquilamente vos digo: “não corro o mínimo risco”.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Canis vulgaris Vs Homo sapiens

“The question is not, "Can they reason?" nor, "Can they talk?" but rather, "Can they suffer?"” ~ Jeremy Bentham

Se alguém me perguntar quais os dias da minha existência que recordo com mais carinho ou que mais me marcaram, inclúo, sem qualquer sombra de dúvida ou hesitação, os dias em que cada uma das três cadelinhas que já tive o prazer de adoptar, entraram na minha vida.

Já dizia Gandhi, que a grandeza de uma nação e o seu progresso moral poderia ser julgado pela forma como os seus animais eram tratados. Concordo a 100%. Digam o que disserem, deem asas à imaginação à vontade, mas ninguém nunca me conseguirá convencer de que alguém que não gosta de animais, ou pior ainda, que os maltrata, é de boa índole.

Falemos dos cães, animais felpudos de quatro patas, nariz húmido, olhos atentos, paciência infindável e devoção sem limites.

Grande parte da população entende que lá porque não deixa o seu cão passar fome e sede, é um excelente dono. Se há alimento, é o bastante! Cão é cão, são animais e não pessoas, para além de que têm pêlo, portanto não há qualquer problema em dormir ao relento (independentemente da espessura de pêlo do canídeo). A população em questão, na sua maioria vê o cão como um sistema de alarme barato: serve para proteger dos ladrões, guardar a casa e pode ser adquirido sem despesa. Aqui, temos dois tipos de donos: o dono que deixa o cão à solta no jardim, de modo a poder proteger todo o perímetro da propriedade e alertar em caso de ameaça; e o segundo tipo, o dono que mantém o cão acorrentado ou preso numa área extremamente limitada, que vê o animal apenas como um alarme, sendo o seu único propósito ladrar, em caso de intrusos (mas, ai do bicho que ladre por qualquer outra razão, muito menos acorde os donos em vão).

Para além do cão de guarda, há ainda o "cão boneco". Ora, por "cão boneco" entenda-se o cão que habita o exterior da casa, podendo ter acesso a todo o terreno ou estando condicionado a uma zona muito restrita, género canil. Esse tipo de cão funciona como boneco, uma vez que consegue ter a atenção do dono, sempre que este se lembre do mesmo e decida dedicar-lhe alguns minutos de atenção ou simplesmente exibi-lo em caso de visitas. Retira-se o animal do canil, dá-se uma voltinha ou duas e volta-se a guardar, tal e qual bonecos na prateleira.

Outro tipo de cão semelhante são os "cães de caça", com função específica, sendo únicamente utilizados para tal, sendo esse o seu único momento de liberdade.

O “cão sazonal” resulta muitas vezes de um capricho momentâneo, podendo ser melhor ou pior tratado, sendo descartado na maior parte das vezes na época balnear, uma vez que se torna um estorvo em época de férias, sendo impiedosamente libertado em qualquer ruela afastada do endereço ou até mesmo em andamento, numa auto-estrada. Aqui pode ainda ser inserido o “cão prenda/capricho”, muitas vezes resultado de pedidos de crianças que rapidamente se fartam do mesmo ou das responsabilidades que comportam, sendo então despejados no canil mais próximo. Uma casa cheia de pêlos, com pingos de urina no melhor tapete, madeiras roídas, são coisas absolutamente insuportáveis. Já não lhes basta a vida ocupada que têm, ninguém está para perder tempo a educar um cachorro. Este ponto torna-se deveras importante, uma vez que uma das desculpas mais utilizadas por donos para terem o seu cão acorrentado, enjaulado ou metido num canil é o seu “mau comportamento”. Falam do pobre como se fosse o diabo personificado (canificado?): “Ai, não o posso deixar entrar em casa senão ele rói tudo, alivia-se onde não deve e o cheiro é horrendo, não pode ir para o jardim porque destrói os canteiros, tem de estar preso porque morde.” Provavelmente estou a esquecer-me de inúmeras desculpas que os donos usam para a sua falta de dedicação e paciência, mas penso que estas são as mais comuns. A propósito, se alguém me acorrentasse ou deixasse presa num espaço limitadíssimo e me deixasse a dormir ao relento, também não seria a criatura mais amistosa à face da Terra. Chamem-lhe carácter, pois então!

Há ainda o “cão multibanco”, sempre de raça, cujo único propósito é cobrir fêmeas, ou no caso das fêmeas, serem cobertas, de modo a produzirem o máximo de ninhadas possíveis, independentemente do estado de saúde dos progenitores, tempo de resguardo ou doenças congénitas.

Sem me alongar neste caso, temos o “cão de luta” ainda hoje utilizado em diversos países, sendo tratados como escravos gladiadores.

Por fim, temos o "verdadeiro cão", o membro mais felpudo e de língua mais comprida da família. O cão que é tratado com respeito, carinho e visto como uma dádiva e não como um servo ou um simples animal desprovido de sentimentos, fonte de rendimento ou estatuto.

Um dia destes, e uma das razões pelas quais decidi finalmente fazer este post, foi um comentário de uma pessoa conhecida, que teve a ousadia de me dizer: “Sabes que nem toda a gente trata os cães como nós.” Até agora, ainda não sei se deva rir ou chorar com tamanho infortúnio. “Nós?”

Deixem que vos elucide minimamente. Milhares de pessoas ficariam/ficam horrorizadas com a forma como trato as minhas cadelas, provavelmente da mesma forma que eu fico horrorizada com a forma como tratam os seus animais. As minhas cadelas não são apenas cães, cujas únicas necessidades são comer e dormir. São parte de mim, parte integrante do meu núcleo familiar. Vivem comigo, dentro de casa, quer viva numa vivenda ou num apartamento, dormem comigo, inúmeras vezes debaixo dos duvets (sim, leu correctamente) e inúmeras vezes durmo em posição mais desconfortável para que elas fiquem mais confortáveis. Têm todos os papéis em ordem, todas as vacinas em dia, já gastei barbaridades em despesas veterinárias. As minhas cadelas não são “apenas cães”, são parte de mim, membros da minha família e portanto, são tratadas como tal e dispõem de afecto e devoção infindável. Isto, sou eu, óbviamente. Certamente haverá quem encontre todo o tipo de "justificação" possível para a minha "demência".

Continuando.

A pessoa em causa tem o cão a viver permanentemente na rua, sendo o interior da habitação território completamente interdito. Violação dessa regra tem como consequência o punimento físico. O máximo de carinho que o animal recebe é uma pancadinha leve na cabeça caso ladre na altura devida, a intrusos. Veterinário é palavra desconhecida, uma vez que é dispendioso e é o maior desperdício gastar dinheiro com um animal, onde é que já se viu tamanho disparate? Registar o cão na junta de Freguesia como obrigatório por lei, etc é hilariante. O cão é animal, não é gente, não misturem as coisas. Melhor ainda (sim, é possível), possui vários cães de sexos diferentes. Milagrosamente, a cadela acaba sempre por engravidar (vá-se lá saber como). Já que perder tempo e dinheiro com métodos contraceptivos ou operações de esterilização é um perfeito disparate, a cadela que engravide e depois quando os bébés nascerem resolve-se. Afoga-se toda a ninhada, asfixia-se tudo num saco ou deita-se no contentor mais próximo. Simples e rápido. E é esta a realidade.

Há quem diga que é uma questão de educação, que as pessoas que fazem este tipo de coisa foram educadas assim ou não têm instrução para mais. Não têm instrução para mais (sem qualquer dúvida) mas a verdade é que vem da alma e quem faz isso é porque (permitam-me a franqueza) é absolutamente podre por dentro, independentemente da sua educação.

Portanto, a todas as pessoas que não têm o “verdadeiro cão”, mas que mesmo assim têm a sorte de ter um ser que os ama incondicionalmente, apesar da forma como o tratam, deixem que vos diga, não há “Nós”, não há a mínima semelhança entre nós. A todos os outros, que sabem exactamente ao que me refiro e que partilham o meu amor pelos animais, e nomeadamente cães e a sua magia, sim, “Nós”, com todo o orgulho e felicidade que só um verdadeiro “dog lover” conseguirá perceber.